Da série FOLCLORE
Departamento de Antropologia da FJN - nº 240
0 cancioneiro popular brasileiro fez com que o nome de Vitalina passasse também a ser sinônimo de moça já de certa idade e que passou do tempo de casar, não conseguindo, por algum motivo, achar marido. Além de sinonimar vitalina como moça que ficou-para-titia, o cancioneiro popularizou a palavra caritó - "Prateleira junto à parede e que é o armário dos pobres" e "quarto, depósito de velharias inúteis, cobertas de poeira, ao abandono", como explicou Luís da Câmara Cascudo - hoje em desuso, somente encontrada nos dicionários, o que não aconteceu com o vocábulo vitalina que, além de nome de mulher, passou a designar as solteironas que não conseguiram encontrar marido, apesar de afirmarem, em alto e bom som, a mentira de não quererem mais contrair matrimônio.
0 casamento, instituição atualmente em crise como conseqüência da liberdade sexual que mudou, ainda em pequena proporção, os costumes tradicionais, ainda constitui e haverá de ser sempre, assim, o destino da mulher, notadamente na zona rural, onde os sonhos coloridos não são uma realidade social. Acresce, ainda, que devido a essa liberdade sexual que anulou o tabu da virgindade, os rapazes sonhavam romanticamente com suas eleitas para depois tê-las como esposas, o que não se verifica mais nas grandes e médias cidades brasileiras. Os rapazes, num percentual crescente, já têm suas namoradas nos motéis, sem os onerosos encargos de ter uma família, manter uma casa, com a inflação que inferniza a vida econômica de todos os povos.
A verdade é que muitas adolescentes, apesar dos pesares, aqui e ali, tanto na zona rural como também nas grandes, médias e pequenas cidades, continuam procurando seus príncipes encantados. E, mesmo moderninhas, continuam acendendo suas velas, fazendo suas promessas aos santos de sua devoção, impulsionadas pela vontade de encontrar um companheiro para, juntos, se completarem e lutarem por uma vida em comum.
Dada a catolicidade da quase totalidade da população brasileira de modo geral e nordestina de modo especial, as moças, quando chegam à idade de querer casar, se lembram de Santo Antônio - o santo casamenteiro e achador das coisas perdidas - com o propósito de fazer com que encontrem seus eleitos.
E como sofre o pobre Santo Antônio nas mãos das moças que pegam sua imagem de madeira, amarram-na pelo pescoço, com um cordão bem grosso, para ser mantida, por algum tempo, na escuridão de uma cacimba, de um poço.
. Contam até a estória de uma moça do interior que assim procedeu em virtude de ter uma certa idade e de não haver ainda encontrado marido. Como o santo não deu um jeito no seu estado civil, ela pegou a imagem e jogou-a na rua, pela janela de um sobrado onde morava. Acontece que, no mesmo momento, ia passando pela frente de sua casa um rapaz que por pouco não foi atingido pelo santo. 0 rapaz apanhou o santo, subiu as escadas do sobrado, com a intenção de devolvê-lo à moça desesperada e um se agradou do outro, namoraram, noivaram, casaram e foram muito felizes...
Vejamos algumas orações que ajudam as moças a encontrar marido ou, até mesmo namorado:
Leny Amorim registrou esta oração de Santo Antônio, para que o rapaz se apaixone pela moça que a rezar: "Pelos vossos milagres; pela vossa palavra quando a Jesus falavas; pela defesa do vosso pai, um pedido eis-me a fazer. Abrandai a ira do mar; o sopro do vento; o negrume da noite; a chama abrasadora do sol; a frialdade da lua; a voracidade das feras; o horror dos desertos. Depois de tudo isso abrandai o que de mais empedernido existe sobre a Terra: o coração dos homens. Oh! Meu milagroso Santo Antônio, fazei com que aquele por quem meu coração chama, ouça a minha voz e, ouvindo-a, vá aos pés de Deus Nosso Senhor comigo, vossa humilde devota. Amém." Disse a referida autora que "com esta oração, já se casaram num só dia oito mil moças que já haviam passado dos trinta e cinco anos.
Mas Santo Antônio não é o único santo que ajuda as moças a encontrar marido. Dona Josefa Ferreira dos Santos, do povoado Una, Município de João Pessoa, Paraiba, sabe de uma oração muito poderosa, muito forte, que tem a mesma finalidade: Oração de Santa Marta, para conseguir marido: "Santa Marta da Montanha, que altas montanhas subisses e com bichos ferozes encontrastes. Todos eles vós abrandastes. Abrande o coração de (dizer o nome do rapaz que ela deseja conquistar) para que ele fique para mim sem ânimo, sem força e sem valor. Amém Rezar, em seguida, três Pai Nosso, três Ave Maria, três Glória ao Pai.
Se a moça quiser saber se vai casar ou não, Getúlio César recolheu, nos sertões do Nordeste, esta oração de Santa Helena: "Senhora Santa Helena, filha do Egito, o rio Jordão passaste com as onze mil virgens; em verdes campinas te sentaste; três vezes tiraste três cravos do jardim, tiraste um e deste ao teu irmão Constantino, outro jogaste nas ondas do mar sagrado e o terceiro que de amor ficaste com ele para ver, ouvir e sonhar com aquilo que quisesses. Se isso for certo, eu quero ver casa caiada, mesa posta, luzes e capins verdes, jardins com flores e roupa lavada, e, se não for certo, eu quero ver tudo ao contrário. Deus quer, Deus pode, Deus faz tudo que quer, amém." Esta oração deve ser rezada no leito, depois da moça se benzer. Esta outra oração, de Santa Imoura, também recolhida por Getúlio Cesar, é para a moça se vai casar ou não: "Minha Santa Imoura, já foste moura; hoje sois cristã. Em Roma nasceste; em Roma te batizaste; em Roma te crismaste; em Roma te confessaste; três cravos que trazias na sagrada mão direita deste a Constantino, teu irmão, outro botaste nas ondas do mar sagrado, outro ficou para sonhar de verdade. Vós me mostrarás os campos grandes, mato verde, estrada limpa, águas claras, ovelhas muitas, igreja aberta, o padre se arivistindo, as mulheres vestidas de branco, amém." Esta oração de Santa Imoura, "pra ter força é preciso que quem a reza se deite de bruço, em uma sexta-feira, com a cama toda forrada de branco. Afirmaram-me ser esta mais forçosa que a de Santa Helena e quem a ela recorre não ficará sem a resposta desejada. Por esta razão, é mais apreciada, a preferida, mesmo porque poderá ser rezada, não só na véspera de São João mas, em qualquer tempo, desde que o dia seja uma sexta-feira."
A mesma senhora dona Josefa Ferreira dos Santos me deu esta oração de Santa Barbosa, oração muito boa para a mulher conseguir e prender seu marido: "Barbosa vestiu-se, Barbosa saiu com seu rosário na mão. Adiante encontrou Jesus, e Jesus disse: Onde vai, Barbosa? - Vou abrandar raio, corisco, trovão. Jesus respondeu: - Como tu abrandaste raio, corisco, trovão, abrandareis o coração de (dizer o nome da pessoa). Se estiver comendo, não comerá. Se estiver conversando, não conversará. Se estiver dormindo, acordará com o pensamento em mim. Fulano (dizer o nome da pessoa) sai correndo debaixo do meu pé esquerdo." A pessoa deve bater três vezes com o pé esquerdo, no chão, chamando pelo nome da pessoa que se quer prender e rezar, em seguida, três Pai Nosso, três Ave Maria, três Glória ao Pai. Ainda a mesma senhora também me deu esta oração de Santo Amâncio, com a mesma finalidade: "Santo Amâncio, amansador de touro brabo, amanse o coração de (dizer o nome da pessoa), que está com mil e seiscentos diabos. Três eu te vejo; três eu te ato. Sangue, te bebo. Coração eu te parto. Debaixo do meu pé esquerdo, eu te embaraço. Amém."
BIBLIOGRAFIA
CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro. 3. Ed. Brasília: Ministério da Educação e Cultura/ Instituto Nacional do Livro, 1972.
AMORIM, Leny. Ciclo Junino. Recife: Prefeitura da Cidade do Recife/ Secretaria de Planejamento e Urbanismo/ Museu da Cidade do Recife, 1992.
CÉSAR, Getúlio. Crendices do Nordeste. Rio de Janeiro: Edições Pongetti, 1941.