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Dino Pretti




Pode-se dizer que existe no Brasil um grupo de pesquisadores devotados a uma lexicografia popular, que realizam suas pesquisas e as publicam nem sempre dentro daquelas rígidas normas da ciência dos dicionários. Estamos referindo-nos aqui à lexicografia, não como ciência que estuda as normas que presidem a elaboração das pesquisas do léxico (ou a análise lingüística dessa técnica). Estamos falando de uma "prática lexicográfica" que, na verdade, é muito antiga, anterior mesmo à própria invenção da imprensa. Essa contribuição, nem sempre levada em conta pelos cientistas do léxico, não raro constitui preciosos caminhos abertos para uma pesquisa mais em profundidade do léxico popular, da maneira desconhecida e original como as pessoas simples do povo criam a sua arte de dizer as coisas, intimamente ligada à sua cultura e aos seus costumes.
 

No Brasil, essa atividade tem-se misturado com a pesquisa folclórica e são muitos os autores que rechearam seus verbetes com a descrição dos costumes e tradições do povo brasileiro. Na linha dessa pesquisa popular estão, além de Mário Souto Maior, muitos outros nomes, dos quais lembramos, de passagem, Nelson Barbalho (Dicionário do açúcar); Carlos Queirós Telles (Manual do cara de pau), um dos primeiros a recolher o fenômeno dos jargões profissionais; Horácio de Almeida (Dicionário erótico da língua portuguesa); Nivaldo Sariú (Dicionário do baianês); Ariel Tacla (Dicionário dos marginais); Florival Serraine (Dicionário de termos populares, registrados no Ceará); Tomé Cabral (Dicionário de termos e expressões populares) e muitos outros.
 

Permanecendo, quase sempre, dentro dos limites da cultura regional, esses autores realizam uma contribuição importante dessa prática lexicográfica, embora, algumas vezes, tenham caminhado pouco atentos à complexidade das regras técnicas de composição dos dicionários, de acordo com a lexicografia contemporânea.

Alguns, como Mário Souto Maior, voltaram seus interesses para uma grande variedade de temas e realizaram muitos trabalhos, de pequeno porte, mas preciosos pela riqueza das informações colhidas. Assim, lembramos um dos livros mais originais e representativos da cultura brasileira (mais especificamente do Nordeste), que constitui uma contribuição original à Antroponímia, em nosso país. Nomes Próprios Pouco comuns (já em 3ª edição), pesquisa realizada sobre nomes extravagantes recolhidos em cartórios, registros civis e outras fontes, em todo o Brasil.
 

O mesmo autor, ainda, trabalhou sobre o tema da cachaça, publicando seu Dicionário folclórico da cachaça, que apresenta subsídios preciosos para a compreensão de inúmeros vocábulos e frases ligados à cultura que surgiu paralela à lavoura açucareira do País e se espalhou até pelos grandes centros urbanos.

Os limites de Mário Souto Maior, pesquisador pernambucano de Bom Jardim, vão além de sua cidade e de sua região. Em 1988, surpreendeu os lingüistas brasileiros com o seu polêmico Dicionário do palavrão, obra por nós saudada pela imprensa paulistana como uma contribuição efetiva para o estudo do léxico popular, despojado do ranço preconceituoso dos filólogos.
 

Com mais de trinta obras publicadas, Mário Souto Maior continua a ouvir o povo, a contar suas histórias, a esquadrinhar dicionários, obras regionais, revistas e jornais, para reunir vocábulos, falar da origem das frases e dos provérbios, contar a história das palavras.

Em Geografia vocabular do pau, seus limites regionais se alargam, recolhendo exemplos que remontam não só ao território brasileiro, mas também a Portugal, Ilha da Madeira e Moçambique.
 

Um primeiro exame dos verbetes que compõem este vocabulário, permitirá ao leitor constatar que o folclorista e etnógrafo da Fundação Joaquim Nabuco, do Recife, revela um cuidado maior no tratamento das técnicas lexicográficas, indicando sempre que possível a origem das expressões, abonando-as com as fontes escritas e literárias, sempre atento às referências bibliográficas.
 

Das expressões formadas com a palavra pau (cerca de 350), pode-se dizer que, aproximadamente, uma centena faz parte da linguagem usual brasileira (considerando-se como tal aquela registrada pelos jornais e pela mídia, em geral). Essa porcentagem é razoável para o interesse imediato do consulente, mas o registro das demais é uma tarefa igualmente importante para a lexicologia brasileira, no sentido de não se perderem as ligações culturais entre o vocábulo e seu contexto cultural, como, por exemplo, ocorre em verbetes como pau de mochiba, "vassourinha improvisada para escovar dentes, na Bahia antiga"; ou pau de virar tripa, moça magra no Nordeste", etc.
 

O autor não insiste muito na área semântica erótico-obscena das expressões, em que pau figura como símbolo fálico, importantíssimo numa sociedade de raízes rurais e, portanto, extremamente machista, como a nossa. Assim, em falta de pau indica-se apenas a significação nordestina de "alguém que está merecendo um corretivo" ou a de "alguém que tem comichão nas costas", originária da Ilha da Madeira. Mas omite-se o sentido obsceno de "mulher necessitada de relações sexuais, para se acalmar, para tornar-se mais sociável", muito comum na linguagem popular masculina da cidade grande, uma evidente marca do machismo predominante no país, apesar das conquistas da mulher contemporânea.
 

Predominam nos verbetes as áreas, semânticas ligadas às práticas rurais ou da pequena cidade (quase sempre do Nordeste), como em expressões do tipo O burro e a mulher, a pau se quer; ou pau de lata, que remetem imediatamente a contextos culturais específicos.
 

As expressões reais ou metafóricas, as redes de sentido que se referem a uma área semântica erótico-obscena poderão, quem sabe, propiciar a ampliação deste vocabulário, em futuras edições, pesquisando-se o contexto urbano das grandes cidades brasileiras, em que o vocabulário pau entrou na formação de expressões que demonstram a violência urbana, como meter o pau (já incluída na obra), na acepção de "falar mal de alguém", como se o ato se transfigurasse semanticamente em "bater em alguém com um pau".
 

Mas Mário Souto Maior – esse escritor incansável – sabe que a Geografia vocabular do pau não se encerra aqui nesta primeira edição e que certas áreas semânticas poderão vir a ser mais exploradas (principalmente numa pesquisa por questionário), enriquecendo-se e atualizando seus verbetes. Como uma boa testemunha da linguagem do povo, o autor certamente reconhece que esse movimento incessante das palavras que vem e se vão (e, às vezes, tornam a vir) é uma marca de efemeridade cultural contemporânea, onde os fenômenos acontecem rápidos, as tradições se perdem também depressa, levadas pelo progresso e pelo crescente processo de uniformização cultural dos povos, sob a influência, cada vez maior, dos modelos do primeiro mundo.
 

PRETTI, Dino. Prefácio de Geografia vocabular do pau através da língua portuguesa. Recife: 20-20 Comunicação e Editora, 1994.

 

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