O professor Mário Souto Maior enviou-me uma plaquete com o sugestivo título: Como nasce um cabra da peste.
Através do vivo e ágil depoimento de sua vida, passei a conhecer o autor, desde o nascimento na cidade de Bom Jardim até o dia da publicação da plaquete acima referida. A infância foi a de quase toda criança nascida antes dos apartamentos, das casas sem quintal e das campinas transformadas em praças ou em prédios, chupou dedo, caçou passarinho e lagartixa (com certeza chamava largatixa), jogou castanha, tirou frutas da árvore do vizinho, brincou de bandido. Tudo, enfim, o que uma criança normal faz, pensa e pergunta.
Destaca-se logo a facilidade com que o Professor Souto Maior escreve num estilo agradável e atraente para o leitor sem falar nas boas risadas e nas reflexões que fará diante dos capítulos que fará diante dos capítulos. Rapadura batida e outras complicações, sexo e enxoval, cachimbo, risada e careta, canja de galinha arrepiada e parto, seus vexames e suas dores, o cheiro de alfazema perfumando a casa com seu cheiro de menino novo.
Como perceberão os leitores, trata-se de um documentário sério e ao mesmo tempo divertido de pesquisas em torno dos aspectos peculiares à gestante no Nordeste com inúmeras crendices das mais disparatadas e anti-higiênicas até as mais engraçadas, devido à ciências infusa das modestas porém úteis parteiras também chamadas curiosas, cachimbeiras, aparadeiras ou comadres.
Tais crendices ainda se encontram no Interior onde não existem médicos, maternidades nem postos de higiene e onde se recorre à medicina caseira dos chás. E muitas daquelas superstições ainda se praticam nas cidades e no próprio Recife.
O professor Mário Souto Maior soube mostrar-se um amigo de nossas velhas e originais tradições. Procurou retirar do passado o que se tem feito e dito acerca da gestante nas horas agoniadas do parto. Numa linguagem simples, ora maliciosa, ora cheia de euforia o autor vai descrevendo nessa plaquete as crenças, as superstições, os usos, os costumes, o vocabulário e o seu simbolismo vindos de nossos antepassados distantes do Brasil colônia.
Não procurou burilar nem modificar o que os antigos, animados de uma crença infantil pensavam das pessoas, animais e objetos. Por exemplo, o poder mágico da chave, tido como um amuleto, herdado dos latinos.
Possui o autor capacidade para nivelar-se aos nossos melhores folcloristas como Câmara Cascudo, Artur Ramos, Renato Carneiro Campos, Getúlio César e tantos outros espalhados pelo imenso Brasil tão rico em tradições populares, principalmente o Nordeste.
Às vezes, aquelas tradições permanecem escondidas ou quase esquecidas, mas o folclorista desce ao mais profundo das origens e traz, não digo rejuvenescidas, porém autênticas na sua eterna poesia, ingenuidade, esperanças e sabedoria.
Todo este conjunto de usanças, umas aparentemente compreensíveis, outras, sem sentido aparente, contribui para conservar intacto o uso de certos costumes que a civilização na pessoa do médico, da enfermeira, da assistente social, vai corrigindo, eliminando aos poucos e passam a ficar enclausuradas no silêncio do tempo.
Revelam, apesar da ingenuidade de seus conceitos, o gênio inventivo das populações rurais, alcançando até as cidades com as superstições tão nossas conhecidas, como a do sapato virado, roupa pelo avesso, espelho quebrado, passar debaixo de uma escada, etc...
Nasceram desde tempos imemoriais e apesar de aparentemente ingênuas exprimem a psicologia dos nossos antepassados cheios de insegurança, de temor do desconhecido, da escuridão, de animais fantásticos, em que o medo, ontem como hoje, constituía a motivação de suas fantasias.
Destas fantasias fez o professor Souto Maior uma fundamentada pesquisa sem qualquer ranço científico como frisa Mauro Mota na orelha do livro.
Sem dúvida alguma, uma boa contribuição ao folclore nacional.
CHACON, Dulce. Como nasce um cabra da peste.
Jornal do Commercio, Recife, 21/10/196