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Edigar de Alencar




Ao que parece, o Rio descobriu a culinária nordestina. São inúmeros os restaurantes da cidade com cardápios típicos do Nordeste, que se enfileiram à extraordinária e suculenta feijoada carioca, prato de sustentação dos sábados e domingos da maioria dessas casas. Na verdade, a cozinha do Nordeste gostosamente variada e tropicalmente colorida, há muito vem merecendo o devido destaque não somente no Rio mas também em São Paulo e no Extremo Sul. Território rico em iguarias que vão dos peixes aos frutos e doces, de lá nos vem, a famosa lagosta, o camarão–pitu; a carne-de-sol e os frutos e sucos melhores do mundo.
 

Claro que não se trata de um competidor dos acepipes de tradição secular das estranjas, com seus nomes franceses, seus vinhos mundialmente célebres, seus uísques escoceses ou nacionalizados, das delícias requintadas das colunas sociais. Mas até mesmo no setor do álcool, aí está a cachaça nordestina a penetrar vitoriosa, quer na sua natural pureza, quer batizada com arte em batidas, algumas delas verdadeiros achados para os gargantas-secas nativos ou advenas.
 

É, assim, oportuníssimo o livro Comes e Bebes do Nordeste, do incansável polígrafo pernambucano Mário Souto Maior, edição Massangana, da Fundação Joaquim Nabuco. Com substancial introdução sociológica e sociográfica de Sebastião Vila Nova, o livro pernambucano, de caprichosa apresentação gráfica, é utilíssimo repositório com receitas em ordem alfabética das mais características invenções gastronômicas do Nordeste. Não só as receitas com sua origem, mas também os comentários do etnógrafo e folclorista. Nas suas páginas, nós vamos encontrar receitas cuja simples leitura nos deixará de água na boca. Do simples angu ao aluá , injustamente esquecido, ou aos pratos mais valentes como a buchada, o sarapatel e até a frigideira de camarão sem camarão ...
 

Paradoxal é que seja o Nordeste das secas e dos flagelos climáticos, o dono dessa cozinha de tanta riqueza e força gustativa. O Nordeste faminto (vá lá o termo) que possa e deva ensinar ao resto do Brasil os melhores quitutes da terra. Sei que a afirmação ofenderá os requintados do paladar, fetichistas da exausta cozinha internacional. Mas a verdade é que aconselho aos mais teimosos a não lerem o Comes e Bebes do Nordeste para não sentirem reações estranhas e voluptuosas. Não se afoitem; se degustarem suas páginas provocadoras e passarem da teoria à prática executando algumas das receitas do saboroso e bem condimentado livro. Se o fizerem, estamos certos, porão em perigo a sua (deles) postura olímpica dos gastrônomos, supercivilizados.
 

E para o fecho desta nota, uma das receitas da preciosa coletânea, com o final comentário do autor, destinada especialmente às senhoras:
 

Amarra-Marido. Batem-se as claras de seis ovos até o ponto do suspiro. Juntam-se, então, as gemas; dois pires de batata-doce cozidas e machucadas, um pires raso de farinha de trigo, uma colher de sopa de manteiga, um copo de leite de vaca, uma pitada de canela em pó e açúcar para adoçar. A fôrma deve ser de ágata que é para o doce não ficar preto; deve ser untada com manteiga, levada ao forno regular, isto é, nem frio nem quente. (Do caderno de Arte Culinária de Alda Mota Barbosa de Arruda, quando aluna da Academia Santa Gertrudes, Olinda, 1938.) E agora o comentário do autor do livro: Esta receita diz respeito ao tempo em que as mulheres tentavam conquistar os homens pela boca, isto é, pelo paladar. Uma mulher que além das qualidades próprias do seu sexo, soubesse fazer pratos gostosos tinha maiores possibilidades de segurar seu marido; mesmo porque era voz corrente de que os homens e os peixes tinham uma coisa em comum: ambos morrem pela boca.
Hoje...

 

ALENCAR, Edigar de. Comes e bebes do Nordeste.
O Dia, Rio de Janeiro, 13/11/1984

 

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